domingo, 22 de janeiro de 2012

Quando o direito substitui a ética.


      Li recentemente um artigo escrito pelo jornalista, produtor e crítico musical Nelson Motta, publicado na edição de 11 de novembro de 2011 no jornal O Globo, cujo título “Desavergonhados”, faz referência entre o certo e o errado e descreve com maestria o comportamento de algumas autoridades do país, especialmente da classe política.
     Escreveu o jornalista “O errado e o malfeito, a incompetência e o desleixo, a estupidez e a má-fé são próprios da condição humana. A diferença está entre os que se envergonham e os desavergonhados. Nas sociedades em que a violência e o crime são vistos como ofensas à comunidade, e não ao Estado, em que a noção de ética antecede a de direito, em que o importante é fazer o certo e não meramente o legal, há menos crime, violência e corrupção, e todo mundo vive melhor”.
      Citando o professor Elton Simões, o jornalista acrescenta que: "Existe algo fundamentalmente errado em uma sociedade quando as noções de legalidade ou ilegalidade substituem as de certo ou errado. Quando o sistema jurídico fica mais importante do que a ética. Nesta hora, perdemos a vergonha". Nelson Motta acrescenta ainda: “Como os políticos que, antes de jurarem inocência, bradam que não há provas contra eles. Ou que seu crime foi antes do mandato. Não por acaso, no Brasil, onde a falta de vergonha contamina os poderes e a administração pública - apesar de todo nosso progresso econômico e avanços sociais -, a criminalidade, a violência e a corrupção crescem e ameaçam a sociedade democrática. Não há dinheiro, tecnologia, leis ou armas que vençam a sem-vergonhice. Só o tempo, a educação e líderes com vergonha”.
      Relendo o artigo não pude deixar de fazer uma relação entre o que o jornalista escreveu e os recentes acontecimentos que envolvem o nosso Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que se transformou no alvo predileto da ira das associações de Magistrados, simplesmente por estar investigando denuncias contra alguns membros do poder judiciário.
      Segundo o COAF (Controle de Atividades Financeiras), entre 2000 e 2010, foram feitas, por intermédio de 3.426 funcionários do Judiciário e magistrados ou pessoas que lhes são próximas, movimentações financeiras atípicas no montante de R$ 855 milhões. A divulgação da informação se deu em meio a um confronto entre a corregedora nacional de Justiça, que defende amplo e irrestrito poder de investigação pelo CNJ e as associações de magistrados, que defendem que o órgão só pode agir depois que as corregedorias dos tribunais fizeram suas investigações. Na verdade o confronto se iniciou no ano passado quando a corregedora causou grande polêmica, ao afirmar que existem "bandidos de toga".
      Já se sabe através da imprensa que há casos de corregedores punidos por manter paralisados processos disciplinares contra magistrados. Os engavetamentos dos processos foram detectados pelo CNJ em inspeção realizada em 2009, quando foram encontrados 39 procedimentos disciplinares contra juízes e desembargadores paralisados desde 2007, sendo 16 de forma indevida.
      Querem acabar com os poderes do CNJ com a alegação de que o órgão, apesar de estar tentando punir imoralidades praticadas no Judiciário, não age de forma legal, ou seja, apesar de estar fazendo o que é certo e moral, afirmam não ser legal. É o típico caso do uso da legalidade para acobertar a imoralidade.
      Circulam notícias de que no próximo dia 31 deverá ocorrer um ato público que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) promoverá, contra o esvaziamento dos poderes do CNJ para processar e julgar questões envolvendo magistrados. Ao que parece, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), bem como a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), já confirmaram oficialmente a participação no evento. Segundo Ophir Cavalcante, presidente nacional da OAB, “o CNJ foi uma boa novidade. Ele quebrou um paradigma que antes era um mantra no Judiciário: a impunidade dos juízes. Eles eram considerados por eles próprios deuses no Olimpo, que jamais seriam objeto de qualquer tipo de investigação, mesmo quando violassem as leis”.
      Para nós. Cidadãos comuns, o Judiciário é visto como a base e os pilares da moral e da ética que sustentam nossa sociedade e representa o “supra-sumo” da autoridade nacional. Por isso, não há que se permitir que o CNJ venha a ser desmantelado ou descaracterizado, impedindo que o mesmo continue a fiscalizar e a punir na forma da lei, as ovelhas negras. Não podemos aceitar que alguns “desavergonhados” continuem a manchar a retidão da imagem e do respeito que nutrimos, como cidadãos, pela instituição reconhecida pela Sociedade como efetivo instrumento de manutenção da justiça, da ordem, da moral, da ética e da paz social.
"A Autoridade da Justiça é moral e sustenta-se pela moralidade de suas decisões" (Rui Barbosa).

Autor: Francisco Ricci – Economista e membro do Observatório Social 

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